Engraçado... para tudo na vida, quando a oferta
é exagerada, o valor naturalmente acaba caindo; exceto quando o papo é
"música". Quantos
programas musicais de calouros existem no mundo? certamente inúmeros. E no Brasil,
quantos deles já foram e ainda são produzidos? Novamente, a resposta é
"inúmeros", uma vez que toda emissora por aqui tem ao menos um desses
programas.
E, então, vem a pergunta: em todos eles, quantas
pessoas que inegavelmente sabem cantar (conforme a opinião popular) já
apareceram? Quantos cantores com um potencial absurdo (conforme a opinião popular)
já passaram por eles? No mínimo, centenas.
Onde quero chegar? Simples: o talento musical,
segundo a concepção atual, não é algo raro e, portanto, não passa de um dom tão
banal quanto, por exemplo, o do pedreiro (sendo que o pedreiro é extremamente
útil à sociedade, além de ser muito mais exigido física e mentalmente do que um
cantor.). Em outras palavras, estou dizendo que o canto é supervalorizado de
uma forma doentia por uma civilização cada vez mais voltada ao que é
egocêntrico.
De repente, inventaram o mito do "bom
cantor segundo seu timbre" de modo a relativizar o dom do canto e abrir um
leque maior de opções que leve a população a um estado cada vez mais profundo
de alienação e idolatria. É por isso que, embora notadamente gente como Roberto
Carlos, Caetano Veloso, Chico Buarque ou toda a turma da bossa nova jamais
tenham tido qualquer talento vocal; não deixem de ser reverenciados como
deuses, já que as gerações nas quais eles cresceram encontravam-se plenamente
moldadas à ideia de que um bom cantor independe de potencial vocal.
Ora, até a idade moderna, nem mesmo alguém com a
potência vocal de um Freddie Mercury era considerado alguma coisa. Além disso,
os cantores, justamente por serem bons não segundo uma "audição subjetiva
popular", e sim porque simplesmente sabiam cantar, eram figuras
consideradas raras e indispensáveis em eventos da realeza.
Onde quero chegar? O reconhecimento do dom vocal
de Andrea Bocelli é uma questão de gosto pessoal ou um fato? Ora, até um
funkeiro consegue identificar música de verdade caso seja posto diante de uma.
Do mesmo modo que um quadro de arte moderna todo rabiscado terá sempre sua
subjetividade no chão quando posta ao lado de uma pintura realista, os cantores
contemporâneos não passam de uma invencionice quando colocados ao lado de um
cantor genuíno.
Em suma, não existem muitos cantores, e sim
muitos cantores segundo o gosto de uma geração enganada por mentiras como, por
exemplo, a de que o bom cantor é o que "toca" o coração (nada pode ser
mais relativo do que isso.). Se esse monte de crianças e jovens mimados de ego
inflado que aparentemente cantam muito fossem estimulados aos estudos, ao invés
da música; teríamos gênios no que realmente presta entre a população. Se certos
programas sensacionalistas pararem de dar espaço ao "fulaninho pobre que
sonha ser como Luan Santana" e passarem a dar espaço ao "fulaninho
pobre que sonha ser como Santos Dumont", teremos uma verdadeira revolução
cultural. Todavia, para isso, é preciso fazer surgir quem sonhe ser como Santos
Dumont. Quando isso acontecer, teremos a parcela rara de legítimos cantores
ocupando o lugar que hoje lhes é roubado, e os pseudo-cantores trabalhando para
o crescimento de seus respectivos países, bem como da civilização ocidental
como um todo.
Leandro Pereira
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