sexta-feira, 19 de novembro de 2021

ADMIRÁVEL NASCIMENTO NOVO


A despeito de dispor de 2 protagonistas extremamente ricos, meu personagem preferido no clássico Admirável Mundo Novo é um coadjuvante de luxo chamado Helmholtz Watson. Personificando o ideal perseguido por este mundo fútil e hedonista em que vivemos, Helmholtz nos é apresentado como o ápice da engenharia genética: beleza e patamar profissional quase que inatingíveis (o segundo item sendo fruto de um Q.I. descomunal). Basicamente, estamos falando sobre alguém que desconhece o que é fracasso; um atleta de pleno rendimento físico, técnico e desportivo; um promíscuo detentor do recorde de levar 640 mulheres para a cama em 4 anos; um polivalente que acumula 4 empregos invejáveis e... alguém que sofre de um vazio inexplicável. Tudo porque, no futuro de Admirável Mundo Novo, não há espaço para sentimentos: a organização civil se encontra completamente entregue ao tecnicismo (o conhecimento técnico detém o status de divindade; o que impede todas as formas de improviso, oxigenação de ideias ou empatia), e as relações sociais são totalmente voltadas para a satisfação imediata dos impulsos sexuais (sim, a depravação é não apenas normal, como considerada o padrão politicamente correto de vida). Em outras palavras, trata-se de uma civilização emocionalmente castrada e que, por conta disso, se mostra profundamente engessada, apática no trato com o próximo. Não por acaso, aliás, os protagonistas Bernard e John são os únicos na trama a exibirem personalidades complexas e cheias de espontaneidade, ainda que por diferentes razões (John é um remanescente do mundo anterior, e Bernard literalmente possui defeito de fábrica).

Enfim, é nessa realidade desalmada que o nosso "homem de ferro" da história (um dos significados de "helm" em inglês é "elmo") acusa uma rachadura em sua armadura até então intransponível ao começar a desejar exprimir o que sente. - "Você nunca teve a sensação de ter em si alguma coisa que, para se exteriorizar, espera somente que você lhe dê a chance? Uma espécie de força excedente que você não esteja utilizando, algo assim como aquela água toda que se precipita na cachoeira em vez de passar pelas turbinas?" - Ele pergunta a Bernard (cap. IV.2).
Portanto, a figura de Watson representa a esperança de que, a qualquer momento, algum desses hipnotizados à nossa volta inicie um processo de despertamento intelectual. Entretanto, especificamente no caso de um crente em Cristo como eu, é impossível não olhar para tal personagem sem traçar um paralelo com o ímpio no início da gestação de seu novo nascimento; logo ele acaba servindo – ao menos para mim – também como a esperança de que Deus pode tomar os zumbis do meu círculo social e fazer com que, assim como Helmholtz, eles venham a sentir algo feito “aquela água toda que se precipita na cachoeira” prestes a explodir de seus âmagos. Diga-se de passagem, onde já li uma coisa parecida com isso mesmo, heim?
"Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios de água viva correrão do seu ventre." - João 7:38

Leandro Pereira

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